sexta-feira, 11 de maio de 2012

Manoel de Barros: "sou hoje um caçador dos achadouros da infância"



Na próxima segunda, nós nos reencontraremos lendo Manoel de Barros. Que poeta é este? Que estranha poesia é essa? Por que Manoel de Barros é para muitos o maior poeta brasileiro vivo? Ou será Ferreira Gullar? Qual a infância de que ele tanto fala em seus poemas?


Ler Manoel de Barros é entrar em outro universo. O universo da roça, da pedra, das coisas, do chão. O universo da poesia, da palavra deslocada de seu sentido original, do estranhamento.


É uma viagem. Seremos capazes?


É fácil e é tão difícil. É solidão.


Vamos arriscar por essas Memórias Inventadas. Mais um mergulho na infância, tema desse Clube.


Até segunda. Com Manoel. E com seus enigmas: "Tudo o que não invento é falso".


Inté; com esse livro feito de pérolas. Aprecie suavemente.








segunda-feira, 30 de abril de 2012

Fechando Zé Lins, o menino do engenho

Alguns encontros para descobrir um autor e um livro. Descobrir um livro é às vezes como descobrir uma pessoa. Quantas vezes não olhamos alguém e temos uma impressão que com a convivência muda? Pois um livro é assim também. Já dizia Drummond: Que coisa é o livro? Que contém na sua frágil arquitetura aparente? São palavras apenas, ou é nua exposição de uma alma confidente? De que lenho brotou? Que nobre instinto de prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto de nós, sente o que eu sinto e vai clareando o mundo em toda a parte?


Assim é Menino de Engenho: o primeiro texto de um autor de escrita fácil, um contador de histórias, um homem que escrevia com uma tal facilidade que parece que ele está nos contando um caso. E, no entanto, ele está nos contando de uma realidade que até então ninguém tinha falado na literatura: o engenho, a vida dos meninos do engenho, dos donos e empregados do engenho. 


Nosso último encontro, com a presença do Gregório, fechou o ciclo. Por que trouxe Gregório? Porque ele é um contador de histórias, como Zé Lins era. Porque ele nos traz, e nos trouxe, memórias da infância, como Zé Lins faz. 


E assim terminamos o segundo ciclo de nosso Clube da Leitura.


No nosso próximo encontro, saimos de um escritor nordestino para um poeta matogrossense. Um dos maiores poetas brasileiros, considerado difícil, enigmático que a gente vai tentar descobrir junto. É mudar o foco, é entrar na sua poesia, sem medo... Até lá!


E abaixo, uma entrevista de José Castello, com o poeta. 




José Castello



Manoel de Barros faz do absurdo sensatez



 
CAMPO GRANDE - Parti para Mato Grosso do Sul com a cabeça carregada de frases de Manoel de Barros, que anotei das raras entrevistas que o poeta deu no passado.  "Prefiro as máquinas que servem para não funcionar", ele disse. "Não gosto de dar confiança para a razão, ela diminui a poesia", afirmou também. "A poesia não existe para comunicar, mas para comungar", comentou ainda. "Desconfio do verso que fulgura; em poesia, o opaco é mais luminoso que o brilhante." E disse mais: "Poesia é um lugar onde a gente ainda pode fazer com que um absurdo seja uma sensatez."
Antes de viajar, dediquei-me a reler seus poemas. Mas frases sufocaram-me. "As coisas que não existem são as mais bonitas", está na abertura do Livro das Ignorãças, atribuída a Felisdônio. E mais à frente: "As coisas me ampliaram para menos." No Arranjos para Assobio há uma definição de poeta: "Sujeito inviável." No Concerto a Céu Aberto para Solo de Aves está dito: "O nome ensina ao poeta as suas semelhanças." E em Matéria da Poesia ele dá uma definição definitiva: "Poesia é a loucura das palavras."
Desde janeiro de 1996, eu vinha tentando convencer o poeta Manoel de Barros, de 80 anos, a receber-me para uma entrevista. Naquele verão, ele aceitou, por fim, responder a algumas perguntas por escrito. Nada mais. A maior parte das poucas entrevistas que Manoel deu ao longo da vida foi assim: perguntas por escrito e respostas anotadas no papel.
Levou três meses para enviar suas respostas - publicadas em março do ano passado no Estado. Não desisti. Nas muitas conversas preparatórias que tivemos por telefone,
Manoel parecia sempre um homem simpático, mas retraído, pouco preparado para as coisas do mundo, entre elas a imprensa. Aos poucos, construí para meu uso pessoal o perfil de um interiorano, um caipira dos pântanos, um homem reservado e de poucas palavras, que qualquer repórter mais afoito poderia machucar seriamente.
Jogo - Ao chegar a Campo Grande, porém, levei uma rasteira - muito parecida com aquela que Manoel de Barros costuma dar-nos com seus magníficos versos. Descobri que, durante quase dois anos, ele jogara comigo, meigamente, mas com mestria, do mesmo modo que, na folha em branco, joga com suas palavras. Eu - o repórter - fui, por longos meses, apenas uma palavra na cabeça de Manoel de Barros. Uma palavra perigosa. Agora, graças a algum raciocínio que eu ainda não podia alcançar, ele abria a guarda e estávamos frente a frente.
Que homem encontrei? Imaginava Manoel de Barros magro e triste, mas ele é gorducho e enérgico. Imaginava um homem ingênuo, que passasse os dias entre cachorros e passarinhos - mas ele ouve concertos clássicos, lê Kant, Benjamin e Roland Barthes e toma cerveja com psicanalistas. Caí na armadilha de seus poemas. E talvez fosse isso o que, mantendo-se escondido, ele desejasse preservar: os versos. Manoel fala como qualquer senhor respeitável de 80 anos; não fala "torto", como falam seus poemas. É essa fala reta, provavelmente, o que ele chama de timidez: o homem comum que se esconde detrás dos versos insensatos.
A crer no próprio Manoel, esse homem que eu agora tinha diante de mim era falso - o verdadeiro só aparece nos poemas. "É a palavra que me vai desvelando", ele diz, sabendo que a palavra oral exigida em uma entrevista o rouba, justamente, daquele poder de burilar, de construir, de jogar, que a palavra escrita oferece. Ao responder a entrevistas por escrito, Manoel de Barros transformou as entrevistas em um gênero literário, tão digno quanto qualquer outro. Era essa, agora, a herança que me massacrava, mas também me fazia avançar.
Manoel sabe que o diálogo-padrão entre entrevistador e entrevistado, a idéia de que a determinadas perguntas correspondem determinadas respostas, a ilusão de que podem entender-se e comunicar-se, só empobrece a palavra. "Penso que só com a desarrumação sintática se consegue atingir o `criançamento' do idioma", ele disse certa vez.
E agora ali estava eu com minhas perguntas normais, querendo respostas comuns. Seria possível? Manoel também disse: "O meu apagamento me exibe antes que me apaga." Mas já estou eu, novamente, enroscado na teia das palavras. No  entanto: poderia ser de outro modo?
A casa - Manoel de Barros mora em uma bela casa na Rua Piratininga, no Jardim dos Estados, desenhada pelo arquiteto mato-grossense Sérgio Saad e por seu companheiro, Osvaldo, que já morreu. Uma casa cheia de recantos, de pequenos jardins internos, de esconderijos, que dá a impressão de ser muito maior do que realmente é. Uma casa que engana e se disfarça - como ele próprio.
Na varanda do quarto, Manoel tem uma pitangueira,  plantada pacientemente pela mulher, Stella, e hoje carregada de frutos. No pequeno jardim da frente, cercado por um muro de 2 metros, os passarinhos de Campo Grande vêm cumprimentá-lo. O escritório, em um pequeno cômodo do segundo andar, é escuro e misterioso. A chave fica escondida no corredor, sobre o batente da porta. De 7 horas ao meio-dia, todos sabem, Manoel tranca-se no escritório para ler e escrever e não está para ninguém.
Manoel de Barros ainda passa, uma vez por mês, dois ou três dias em sua fazenda, a Fazenda Santa Cruz, no município de Corumbá, a seis horas de carro de Campo Grande. É uma fazenda de 12 mil hectares, onde ele cria 5 mil cabeças de gado e, na época da cheia, fica completamente isolada do mundo. Desde que Manoel transformou seus empregados em sócios, ela funciona em um esquema de autogestão. "Assim, eles não precisam mais de mim", diz. Dispensar o papel de fazendeiro o alivia.
Sua obra está sendo toda relançada, em primoroso projeto editorial, pela Record. Em dezembro, chega às livrarias a nova edição do Livro de Pré-Coisas, editado em 1985 pela Philobiblion. O poeta dedica-se, atualmente, a escrever um novo livro que tem o título provisório de Tratado Geral das Inutilezas. Escreve à mão, em caderninhos miúdos, que ele mesmo monta com folhas grampeadas e capas coloridas e mais parecem obra de criança.
Chego à sua casa às 10 horas, saio às 19. Depois de nove horas de conversa amistosa, aumenta, no entanto, minha sensação de estranhamento. Para consolar-me, volto às palavras do próprio Manoel que trago anotadas em minha agenda: "Me exibo através de ficar sob as cinzas. Sou sempre uma pose falsa tirada no escuro. Me exibo de costas. Eu faço o nada aparecer." Com Manoel de Barros, as palavras perdem seu poder de explicar e tornam-se enigmas. É isso o que agora carrego.
A leitura desta entrevista dará aos leitores dos poemas, ainda assim, a falsa sensação de esclarecimento. Poderão ter a ilusão de que, agora, o poeta se aclara, que finalmente sabem quem ele é. Mas não se iludam: ao voltar aos livros, os versos
soarão ainda mais estranhos e desconcertantes. A entrevista é um gênero da ordem das "inutilezas". A vida tranqüiliza a poesia, mas não a doma.
 


Estado - Como surgiu seu amor pelas coisas sem importância?
Manoel de Barros - Quando eu era jovem, fiz uma longa viagem pela Bolívia. Viajei sem rumo por Porto Suárez, Orurus, Chiquitos, vivendo sempre no meio da indigência. Eu não fazia nada, eu simplesmente vivia - e bebia muita chicha, a aguardente que os índios bolivianos fazem com o milho. Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

Estado - Você já se interessava por literatura?
Manoel - Sim, eu lia muito. Levei comigo as Obras Completas de Rimbaud e de Baudelaire e não parava de ler. Foi durante essa viagem, também, que descobri o peruano César Vallejo, um poeta da palavra - como eu.

Estado - Um poeta, também, das coisas menores.
Manoel - Prefiro as coisas menores, as coisas sem nome. Sempre fui muito voltado para as coisas sem importância. Há pouco tempo, uma poeta do Rio disse-me: "Quando você escreve, você só se interessa pelas `inutilezas'." A palavra é dela, "inutilezas", e me pareceu muito boa. O livro que estou escrevendo tem o título provisório de Tratado Geral das Inutilezas.
 

Segunda parte:

"Minha poesia é torta", diz Manoel de Barros
 

 
CAMPO GRANDE - Ele acha melhor o seu primeiro
livro, Poemas Concebidos sem Pecado, que só teve uma
edição de cerca de 30 exemplares rodada em prensa manual,
por achar que todos os outros são decorrência desse. O poeta
Manoel de Barros, que diz escrever "uma poesia torta", conta
ao Estado como foi sua trajetória até hoje e fala do novo livro.

Estado - Onde você encontrou as "inutilezas" para o livro que está escrevendo?
Manoel de Barros - Em minha viagem à Bolívia, procurei as cidades decadentes, as mais miseráveis. Ficava o dia todo encostado, pescava, bebia, passava os dias misturado com os bugres, os descendentes diretos dos índios americanos. Eu vivia no meio deles, empenhado apenas em conhecer aquelas pequenezas.

Estado - E o que você fez quando voltou?
Manoel - Encontrei um amigo que queria ir para Nova York. Foi um choque cultural: Picasso nos museus, Bach tocando nas igrejas. Fizemos uma viagem cheia de escalas, fomos chegando aos poucos.

Estado - E o que encontraram pelo caminho?
Manoel - Miséria. Em Santa Cruz de la Sierra, fomos abordados por um menino que veio oferecer-nos mulher. Ele nos levou a uma casa muito pobre e nos apresentou a suas três irmãs, três meninas miseráveis. O menino pegava homens na rua para transar com as irmãs, era assim que a família sobrevivia. Essa experiência rendeu-me um poema, que chamei de Maria-Pelego-Preto.

Estado - Ela existiu mesmo?
Manoel - Sim, uma das meninas tinha pentelhos que subiam até um umbigo. Os pais exploravam esses pêlos como um fenômeno, uma anormalidade. Cobravam ingressos só para exibi-los.

Estado - Como você publicou seu primeiro livro?
Manoel - A primeira edição de Poemas Concebidos sem Pecado foi rodada na prensa manual de um diplomata, o Henrique Rodrigues Vale. Foram só 20 ou 30 exemplares, dados de presente. Não guardei nenhum.

Estado - Quando você o lê, hoje, o que acha?
Manoel - Acho que esse meu primeiro livro é meu melhor livro. Tudo o que escrevi depois vem dele. Ali, eu já tinha a noção do valor lingüístico da poesia. Poesia não é para contar história, poesia é um fenômeno de linguagem.

Estado - Você foi um jovem desocupado?
Manoel - Tentei trabalhar como advogado, mas não funcionou. Na minha primeira audiência como advogado, fiquei tão nervoso que simplesmente vomitei em cima do processo. Imagine a cena: aquela mesa longa, o juiz postado na cabeceira, eu sentado diante dos autos. É minha vez de começar a falar. Então, antes de dizer a primeira palavra, eu me curvo sobre os documentos e vomito.

Estado - Você, certamente, escolheu a profissão errada.
Manoel - Mas então escute uma segunda história. Agora não sou mais advogado, sou poeta. Um dia, convidam-me para um programa especial na rádio em que escritores brasileiros iriam ler franceses. Eu deveria ler um poema de Aragon. O programa está no ar. É minha vez de ler. Mas, antes de dizer a primeira palavra, eu desmaio.

Estado - Poemas são assim tão perigosos? Os seus costumam ser adotados nas provas de vestibular. Você não gosta. Por quê?
Manoel - Faço uma poesia difícil. Depois, cair no mundo das imagens não é para qualquer um. Ainda mais para adolescentes. Adolescentes querem as coisas retas, senão não aceitam. E minha poesia é torta.

Estado - Eles exigem, no mínimo, professores muito preparados.
Manoel - Mas nem os professores me digerem. Há pouco tempo, chegou aqui em casa uma das coordenadoras do vestibular em Mato Grosso. Ela me disse: "Eu não entendo nada de seus livros. Se me permitir dizer a verdade, eu vou dizer: seus livros são uma m...!"

Estado - E como você reagiu?
Manoel - Eu lhe disse: "Olhe, minha querida, se meus poemas são difíceis, a culpa não é minha. Juro que não tenho culpa. Meus poemas sofrem de mim."

Estado - E então?
Manoel - Ela estava desesperada. E me disse: "Pois é, mas eu não entendo nada. Como é que vou preparar meus alunos para as provas?" Eu respondi: "Olhe, eu também não sei o que lhe dizer. Meus livros não são para vestibular." Poesia exige sensibilidade. Se você não tem sensibilidade, preparo algum adianta.

Estado - No seu caso, de onde veio essa sensibilidade?
Manoel - Fui criado numa fazenda do Pantanal. Meu pai empregou-se como arameiro, que é aquele sujeito que faz a cerca para isolar o gado. Cortava as árvores para tirar postes, depois passava o arame nas cercas. A gente não tinha casa, vivia acampado na beira das cercas. Até os 8 anos, eu fui criado no chão, da forma mais primitiva.

Estado - E o gosto pela leitura, como surgiu?
Manoel - Quando deixei de acompanhar meu pai pelas fazendas, fui para um colégio interno em Campo Grande. Depois, meu pai me mandou para o Rio, para o Colégio São José, dos irmãos maristas, onde fiquei por mais sete anos. Passei todo esse tempo lendo.

Estado - João Cabral de Melo Neto também estudou com os irmãos maristas, no Recife, e guarda recordações bem pouco estimulantes desse período de sua vida.
Manoel - Eu tive a sorte de conhecer um professor, padre Ezequiel, um homem culto e de espírito aberto, que marcou profundamente minha formação. Quando eu tinha 13 anos, ele me deu para ler um livro do padre Vieira. Fiquei alucinado. Vieira despertou em mim o gosto pela frase, pela sintaxe, pela construção sofisticada. Vieira não tinha o menor apreço pela verdade, ele gostava é da frase. Se você quiser tornar-se cristão lendo Vieira, não se tornará. Se quiser tornar-se escritor, poderá tornar-se.

Estado - É uma leitura que ainda hoje o acompanha?
Manoel - Jamais o abandonei. Agora mesmo estou lendo o capítulo dedicado a Vieira na História da Inteligência Brasileira, de Wilson Martins. Ele segue o Vieira passo a passo, com revelações que me assombram. Lendo o Vieira, descobri que qualquer palavra pode tornar-se poética, desde que você a coloque no lugar certo. Com o Vieira aprendi o valor da construção na poesia. Até hoje eu o leio todos os dias.

Estado - A faculdade de Direito afastou-o da literatura?
Manoel - Nada me afastaria. Eu tomava a condução para ir à faculdade, mas parava no centro e ia para a Biblioteca Nacional. Padre Ezequiel, é claro, não me fez ler Rimbaud, Mallarmé, Baudelaire, mas me ensinou o francês. Na Biblioteca Nacional, eu finalmente podia lê-los.

Estado - E quanto à prosa?
Manoel - É claro, o Machado. Ele é uma glória. Mas o prosador que hoje eu prezo mais que todos é o Dalton Trevisan. O Dalton é um escritor da linguagem, que modifica sempre, que enxuga cada vez mais. Para o Dalton, a linguagem é mais importante que o personagem. O Dalton lembra-me aquele personagem do Giovanni Papini que aparece em Gog, aquele literato que enxugou tanto seu livro que, um dia, descobriu que só lhe restava uma palavra.

Estado - O que essa busca da linguagem mínima significa?
Manoel - A evolução para a linguagem enxuta é a evolução para o absoluto. Meus escritores favoritos são aqueles que se encaram como seres de linguagem. O Dalton, o Machado, o Guimarães Rosa, o Gregório de Matos, o João Cabral, o Augusto dos Anjos, o Pessoa.

Estado - Você não inclui Clarice Lispector nessa lista?
Manoel - É claro que sim, como ela me escapou? Um dia, escrevi uma carta para a Clarice e ela nunca me respondeu. É uma coisa que me frustrou muito. Abri meu verbo, entreguei meu coração, e nada. Ela só me deu o silêncio. Até hoje isso me dói.

Estado - É, no mínimo, surpreendente que um escritor tão empenhado no trato da linguagem tenha sido, em determinado momento da vida, um militante comunista. Comunistas preferiam, em geral, os "conteúdos".
Manoel - Foi o Apolônio de Carvalho quem me enfiou na Juventude Comunista. Eu o conheci quando era estudante e
morava no porão de uma pensão do Catete, que pertencia a uma húngara. Éramos quatro rapazes vivendo no porão. Um dia recebemos uma tarefa: devíamos pintar a frase "Viva o comunismo" na estátua de Pedro Álvares Cabral, na Glória. Os
outros foram, eu não. Às 4 horas, a polícia bateu na pensão. Meus amigos tinham sido presos e os policiais queriam levar-me.

Estado - Como se defendeu?
Manoel - Fui salvo pela húngara. "Sr. policial, deixe esse menino em paz", ela disse. "Ele acabou de chegar do colégio de padres, não pode ser comunista." Eu estava com 18 anos e ainda tinha cara de menino. Mas os policiais não se convenciam. Então, a húngara usou o argumento decisivo: "Ele até escreveu um livro de poesia." Um policial, sem acreditar, pediu o livro. Eu mostrei, então, o livro que tinha acabado de escrever. Chamava-se Nossa Senhora de Minha Escuridão.

Estado - Um título que não combina muito com você.
Manoel - Era um livro de sonetos, feitos ainda no colégio. Produziu um efeito avassalador. O policial leu os títulos: Para Nossa Senhora, A Fala de Jesus Cristo, coisas assim. Fechou o livro, botou debaixo do braço e disse: "Você pode ficar." Fui salvo pelos sonetos.

Estado - Você ainda conserva esses poemas?
Manoel - Infelizmente, não. Não sei por que, o policial levou o livro com ele. Era minha única cópia e eu o perdi para sempre. Hoje, deve estar nos arquivos do Filinto Müller...

Estado - Como você vê o comunismo hoje?
Manoel - Apesar de tudo, ainda me considero um socialista. O que sobrou do comunismo é muito importante para o mundo. Considero, além disso, que o socialismo é inevitável. Mais cedo ou mais tarde, o socialismo virá.

Estado - Como você se afastou da política?
Manoel - Militei durante cinco anos. Um dia, decepcionei-me com um discurso do Prestes, que passou a elogiar o Vargas, o mesmo que o tinha prendido, e resolvi afastar-me do partido. Meus amigos diziam-me: "Não sai do partido, porque eles te matam." Então resolvi sumir. Peguei um trem e fui para a fronteira do Paraguai, onde meu pai era gerente de uma charqueada. Fiquei escondido por uns seis meses.

Estado - E o que você fez durante esse tempo?
Manoel - Voltei a viajar pelo Pantanal. Naquela época,
descobri que no Pantanal se falava uma espécie de dialeto. E
botei na minha cabeça de que eu iria estruturar as bases desse
dialeto. Viajando pela fronteira, dei-me conta de que cada
fazenda do Pantanal era uma ilha lingüística, em cada uma delas
se falava um dialeto próprio. Passei, então, a colecionar
palavras. Em pouco tempo, eu reuni mais de 500 expressões
do dialeto pantaneiro.

Estado - O que você fez desse material?
Manoel - Você não vai acreditar: eu perdi. Não sei como perdi. Fico muito chateado quando penso no que aconteceu. Ninguém se preocupou em preservar o dialeto do Pantanal, só eu. E, no entanto, deixei que tudo se perdesse.

Estado - Como se reencontrou com a literatura?
Manoel - Eu me cansei e precisava ganhar a vida, não tinha muito tempo para a literatura. Tinha de usar, de alguma forma, meu diploma de advogado. Arranjei então um emprego no Sindicato dos Peixeiros. Toda madrugada, a polícia saía à caça dos peixeiros que adulteravam o peso de seus produtos. Minha missão era ir até as delegacias para soltá-los. Fazia um requerimento, pagava uma fiança e os livrava da prisão. Nada de espetacular. Fiquei nisso uns bons três anos de minha vida.

Estado - Não chegou a tentar de novo a vida de escritório?
Manoel - Trabalhei por um breve período no escritório do Dr. Cloves Ramalhete. Eu só podia fazer serviço de subalterno, pois jamais suportei encarar uma audiência. Eu sei que sou esquizofrênico. Essa minha timidez excessiva, esse meu narcisismo, são sintomas bem claros disso.

Estado - Um esquizofrênico, no entanto, que se tornou um bem-sucedido fazendeiro.
Manoel - Meu pai morreu, herdei uma fazenda e tive de
voltar para Mato Grosso para administrá-la. Voltei em 1961, pouco depois da eleição do Jânio Quadros. Disse para minha mulher: "Vamos ficar em Mato Grosso o mesmo período que o Jânio permanecer no Alvorada." Mas ele renunciou logo depois, enquanto eu passei muitos anos envolvido com a fazenda. Hoje, não. Meu filho caçula é quem cuida de tudo, eu só assino papéis de vez em quando.

Estado - Voltar não lhe pareceu um retrocesso?
Manoel - Eu tinha medo de voltar porque o interior pode mumificar a gente. Eu achava que ia ficar emburrecido, paralisado. Mas aconteceu o contrário. Quando retornei ao Pantanal, minha imaginação desabrochou. Isso foi um deslumbramento. Aqui tenho sossego, silêncio. Aqui a imaginação pode dar saltos. Não posso ir às grandes exposições de arte ou freqüentar cinematecas. Mas vou sempre ao Rio. Tenho um pequeno apartamento no Leblon.

Estado - Nesse longo percurso, ao que parece, quase nada do menino pantaneiro se perdeu.
Manoel - Eu não mudei. Até hoje me entendo muito com as crianças. Elas são inteligentes, descobrem coisas que a gente não vê. Têm a sintaxe torta. Eu tenho em mim, sempre, um lado muito grande de brejo, de natureza. Acho que sou extraído das palavras. Os lacanianos adoram quando digo essas coisas.

Estado - Você conhece algum?
Manoel - Muitos. Eles não me deixam. Eu me correspondo há muito tempo com o M. D. Magno. Em Campo Grande, há um grupo de analistas lacanianas com quem saio uma ou duas noites por semana para tomar umas cervejas. Elas pensam que minha poesia comprova as teorias de Lacan.

Estado - Você concorda com essa tese?
Manoel - Só sei dizer que a palavra é o nascedouro que acaba compondo a gente. O poeta é um ser extraído das palavras. Não é a gente que faz com as palavras, são as palavras que fazem com a gente. O meu texto é isso.

Estado - E a natureza onde fica?
Manoel - Somos parte da natureza. E, do mesmo modo, somos parte das palavras também. Quantas vezes uma palavra interrompe a gente e aparece? Quantas vezes ela se impõe sem que possamos entender por quê? Uns pensam que é mediunidade, mas é a palavra que fala em nós. Para um poeta,
a palavra que se impõe é mais forte que o sentido.

Estado - A palavra está, então, acima de tudo.
Manoel - Eu considero que, na escala dos valores humanos, o sujeito que mexe com palavras está em primeiro lugar. Recebo aqui em casa muitos poetas, e muitos maus poetas, e sempre lhes digo isso. Mesmo nos maus poetas a palavra já é uma qualidade. Só essa dedicação à gratuidade da palavra já merece meu respeito. Ser poeta é dedicar-se às inutilezas - que é como chamo as coisas inúteis.

Estado - De onde vem seu interesse particular pelos pássaros?
Manoel - Antes das palavras vem o canto puro, sem sentido, que é aquilo que está no bico dos pássaros. O canto é ágrafo, não admite escrita. Só depois dele é que as palavras aparecem. Existe uma continuidade entre o canto dos pássaros e as palavras humanas. O canto dos pássaros é uma "despalavra".

Estado - Seus poemas estão cheios, também, de insetos. Muita gente sente repulsa por insetos, você não?
Manoel - Meu impulso poético me diz que as coisas grandes devem ser desequilibradas com as pequenas. Tenho uma atração pelas coisas mínimas. O ínfimo tem sua grandeza e ela me encanta. Gosto muito das coisas desimportantes, como os insetos. Não só das coisas, mas também dos homens desimportantes, que eu chamo de "desheróis".

Estado - Daí seu interesse por Charles Chaplin?
Manoel - Chaplin descobriu o encanto dos vagabundos. Queria celebrar o ínfimo, o pobre coitado, o homem jogado fora, o joão-ninguém. Mas eu tomei gosto pelo desimportante lendo o Gogol, um escritor que exaltou como ninguém o homem sem valor, sem qualidade. Estou sempre relendo O Capote. A literatura do homem desqualificada, do pobre diabo, começou com Gogol.

Estado - Nenhum inseto o incomoda?
Manoel - Não tenho medo de insetos, nem mesmo de baratas. Eu fui criado em chão de acampamento, no meio de lagartixas, lagartos, sapos, mosquitos. Vivi nos brejos, lugares úmidos que custam muito a secar. Eu convivi muito com essas palavras que aparecem em mim. Na hora de escrever um verso, essas palavras brotam em mim naturalmente. É o lastro "brejal" que não perdi.

Estado - Nenhuma relação, eu suponho, com os poemas do senador José Sarney...
Manoel - Nem com o seu lado "brejal" nem com os seus poemas de marimbondo. O José Sarney é um subliterato. Se ficasse só presidente já era ruim, mas ainda escritor...

Estado - O que você pensa da exploração turística do Pantanal?
Manoel - Não é uma exploração, é uma deformação. Mas existem limites. O Pantanal tem um regime de chuvas e de enchentes que ninguém pode mudar. Se o sujeito cismar de erguer um restaurante, uma agência bancária, um supermercado, daqui a seis meses tudo estará boiando. O Pantanal sabe defender-se. O turismo jamais vai conseguir domá-lo.

Estado - No Pantanal, a natureza ainda se sobrepõe à cultura.
Manoel - É um lugar edênico. Eu diria adâmico. Está na origem do mundo. Parece que a formação geológica do Pantanal ainda não terminou. Claude Lévi-Strauss, quando o visitou, observou que seus rios não têm profundidade, não têm barrancos. O Pantanal é um lugar primário, não terminado, sem feições definitivas. É muito inquieto, muito incorreto, sem disciplina. "No Pantanal não se pode passar a régua", eu escrevi. A régua impõe limites e o Pantanal não tem limites. Tem uma estrutura aquática que não permite que ele seja modificado.

Estado - Você escreveu também: "O artista é um erro da natureza." Pode explicar isso?
Manoel - Mas eu também escrevi: "Beethoven é um erro perfeito." Logo, o erro é a perfeição. O artista é um doente, não é um homem normal. É sempre um psicótico, tem um desvio de sensibilidade, algo assim. Minha principal qualidade literária é minha visão torta do mundo - logo, minha principal qualidade literária é minha doença. Escrever que "Beethoven é um erro perfeito" é uma idéia torta, não é? Escrever que "o silêncio do mar é azul" também é uma idéia torta, porque silêncio não tem cor. E, no entanto, eu escrevi isso e as pessoas consideram. Todo artista tem um desvio lingüístico e é ele que forma seu estilo.

Estado - O estilo é uma condenação?
Manoel - O estilo é um estigma, é uma coisa que marca. Já vem com as nuances do indivíduo. O estilo é coisa quase genética. Todo escritor surge de uma doença. Quanto mais um escritor é atingido pela anormalidade, mais seu estilo aparece.

Estado - Uma pessoa como Bernardo, o velho empregado a quem você dedicou um longo poema, também está marcada pela estigma da anormalidade e no entanto não se tornou poeta. Como isso se explica?
Manoel - Bernardo está internado há um mês em um asilo. Ele está sofrendo do coração. Temos a mesma idade e ele está comigo desde os 18 anos. Bernardo não fala, não fala mesmo. Não porque não queira, mas por fastio. Ele tem uma inocência animal.

Estado - Os pássaros ainda pousam na cabeça dele?
Manoel - Não só os pássaros, mas até as galinhas selvagens. Os porcos querem ir para o seu colo. Todos os animais querem chegar perto de Bernardo. Não sei o que é, não me peça explicação. Bernardo tem uma inocência animal, de forma que os animais sentem e se aproximam.

Estado - Você o tem visitado?
Manoel - Vou sempre visitá-lo. Encontro-o rindo e fumando seu cachimbo. Os médicos dizem que não adianta mais proibir. Bernardo é um ser que não conhece ter. Ele nunca teve nada, nunca pediu nada. A gente é que leva roupa, lhe dá comida, remédio. E tem uma memória igual à de um computador. Ele é capaz de dizer a idade de uma pessoa que ele conheceu há 50 anos e nunca mais encontrou. A memória é o sentido que, nele, absorveu os outros.

Estado - Já em seu caso parece que o gozo com as palavras está acima de tudo. É isso?
Manoel - É verdade, eu gozo com as palavras. Já escrevi: "Meu gozo é no fazer." É no fazer o verso que o poeta goza. Eu tenho isso: todo verso meu, eu gozei nele. Não escrevo muito porque eu demoro muito para gozar. Eu trabalho muito em cima das palavras, bolino muito as palavras, acaricio. "Uma palavra tirou o roupão para mim", eu escrevi. E é exatamente isso o que acontece.













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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Menino de Engenho

Como um livro pode agradar uns e desagradar tanto outros?
Qual opinião vale? Deve haver uma que "vale"?
Uma leitura pode ser imposta? 
Como a escola pode trabalhar com as "leituras obrigatórias"?
A literatura brasileira é menor que as outras?
O regionalismo é uma chatice?
A literatura que não propõe questões existenciais vale menos?
José Lins do Rego é um grande escritor ou um escritor medíocre?

Pois é, queridos, a leitura de Menino de Engenho suscitou todas essas questões. Um desafio para nosso próximo encontro.

Sugiro/peço que:
- todos leiam o livro todo
- todos levem o Caderno de Memórias, com os três textos feitos:
                     - um sobre a sua foto, com você dizendo por que escolheu a foto ou respondendo à pergunta: Quem é essa menina?
                    - outros dois textos feitos sobre fotos de seu pai e sua mãe, ou na infância deles, ou com você quando criança - siga a proposta escolhida para a foto 1 (ou você pergunta quem são eles ou diz por que escolheu a foto)

Não vamos nos esquecer: toda memória é inventada... 

Até segunda, com votos de uma Feliz Páscoa para todos, beijos!

para quem se interessar... recomendo: http://www.youtube.com/watch?v=Nib6FLH546w&feature=relmfu

sábado, 31 de março de 2012

De Amargo Vermelho a Menino de Engenho

"Não gosto de trabalhar, não fumo, durmo com muitos sonos e já escrevi 11 romances. Se chove, tenho saudades do sol; se faz calor, tenho saudades da chuva. Temo os poderes de Deus, e fui devoto de Nossa Senhora da Conceição. Enfim, literato da cabeça aos pés, amigo dos meus amigos e capaz de tudo se me pisarem nos calos. Perco então a cabeça e fico ridículo. Afinal de contas, sou um homem como os outros e Deus permita que assim continue." 
Esta é a auto-descrição de José Lins do Rego, considerado um dos maiores ficcionistas da língua portuguesa.
Pois é: da água vamos ao vinho, mas o mais certo mesmo é do vinho vamos à água....

No encontro passado, tivemos o psicanalista, fotógrafo e escritor José Inácio Parente, fechando nosso primeiro ciclo. Ali vimos e confirmamos que as palavras dizem muito mais do que parecem dizer... Foi muito bom acrescentar à nossa leitura outras observações: como é bom conhecer pessoas, discutir com elas o que gostamos. Bacana.


Segunda começamos Menino do Engenho, de José Lins do Rego. Todo mundo com livrinho na mão... e leitura feita até o capítulo... capítulo? 20 é isso? Oh, Elza, cadê você?

Abaixo, uma pequena biografia desse escritor genial, que não teve a glória que sua escrita merece.


José Lins do Rego Cavalcanti era filho de fazendeiros. Com a morte da mãe, passou a ser criado pelo avô, num engenho de açúcar. Aos oito anos ingressou no Internato Nossa Senhora do Carmo, onde estudou durante três anos. Em 1912 passou a estudar em João Pessoa. Nesse mesmo ano, publicou seu primeiro artigo em jornal. Três anos depois mudou-se para o Recife, onde concluiu seus estudos secundários.

Em 1919 ingressou na faculdade de direito do Recife. No ano seguinte, passou a escrever uma coluna literária para o jornal "Diário do Estado da Paraíba". Em 1924 formou-se e, no ano seguinte, casou-se com Filomena Masa Lins do Rego, com quem teve três filhas. Em 1925, Lins do Rego assumiu o posto de promotor público na cidade de Manhuaçu, em Minas Gerais, mas no ano seguinte mudou-se para Maceió, onde começou a trabalhar como fiscal de bancos, cargo que ocupou até 1930.

Dois anos depois, José Lins do Rego publicou seu primeiro livro, "Menino de Engenho". Custeado com seus próprios recursos, o livro recebeu críticas favoráveis e tornou-se um grande sucesso. No ano seguinte, publicou um segundo romance, "Doidinho". A partir daí, o editor José Olympio lhe propôs uma edição de dez mil exemplares para o terceiro romance. José Lins do Rego tornou-se um escritor de prestígio, estimado pelo público.

Passou a publicar um romance por ano: em 1934, "Bangüê"; em 1935, "O Moleque Ricardo"; em 1936, "Usina"; em 1937, "Pureza"; em 1938, "Pedra Bonita"; e em 1939, "Riacho Doce".

Nomeado fiscal do imposto de consumo, em 1935, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Voltou a escrever para jornais. Nessa época, tomado também por sua paixão pelo futebol, tornou-se um dos diretores do Clube de Regatas do Flamengo.

Em 1936, publicou seu único livro infantil, "Histórias da Velha Totonha", em edição ilustrada pelo artista plástico Santa Rosa. A partir de então, passou a se destacar também como cronista. Realizou diversas viagens e viu suas obras serem publicadas em vários idiomas.

O livro que é considerado sua obra-prima, o romance "Fogo Morto", saiu em 1942. O autor consagrou-se como mestre do regionalismo. Seu último romance, "Cangaceiros", foi publicado em 1953.

Três anos mais tarde, José Lins do Rego tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Em seu discurso de posse, referiu-se ao seu antecessor, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ataulfo de Paiva, como alguém que "chegou à academia sem nunca ter gostado de um poema". A partir desta nota de sarcasmo, seus discursos da academia passaram a ser previamente censurados.

A obra de José Lins do Rego, bastante conhecida, foi adaptada para o teatro, o cinema e televisão. Em 1956 Lins do Rego publicou "Meus Verdes Anos", um livro de memórias. No ano seguinte morreu de um problema hepático, aos 56 anos, no Rio de Janeiro



domingo, 25 de março de 2012

Fechando (?) Amargo Vermelho

A boneca Amiguinha. Os tios italianos. A merendeira. O sonho que se queria ter. O hoje e o ontem. Os pesadelos. O bolo da avó. Quem é essa menina? Quem foi essa menina? Quem é essa mulher?

A partir da leitura de Bartolomeu, vamos recortando pedaços de memórias. E registrando. Deu certo nosso primeiro encontro de escrita: não sei escrever, não gosto de escrever, não escrevo, pra que escrever? Pois todo mundo sentou, todo mundo escreveu, todo mundo leu. Escreveu não leu, o pau comeu... Eu achei gostoso demais esse encontro, encontro amoroso: porque a escrita, assim como a leitura, aproxima as pessoas.

Nesse mundo tão disperso, em que a gente não para pra nada, poder parar um pouco e pensar na gente, é bom, não é?

Bem, nesta segunda, terminamos o primeiro ciclo desse Clube de Leitura, com o livro Vermelho Amargo.


Tentem passar para o Caderno de Memórias os registros feitos no Clube. Escrevam mais, se quiserem. E levem o Caderno, ok? 

Teremos a presença de nosso convidado, o psicanalista José Inácio Parente, que além de psicanalista, vem desenvolvendo um amplo trabalho sobre Memória. Vejam abaixo. Até segunda!


 José Inacio Parente 

A construção de um olhar muito particular e sensível tem caracterizado o trabalho de José Inacio Parente, na área do registro e da memória da cidade e do Estado do Rio de Janeiro. Desde a realização em 1987 do filme Rio de Memórias sobre a história do Rio e da fotografia, José Inacio vem se destacando como pesquisador e produtor cultural, tendo publicado 7 livros de sua autoria e colaborado com fotografia e texto em outros 13 livros. Foi curador de 6 exposições e realizou 8 exposições individuais de fotografias sobre o Rio de Janeiro, além de inúmeras palestras e seminários. Como um viajante que descobre a cidade em que escolheu viver, documentou tanto a capital quanto o interior do estado, constituindo um rico acervo de mais de 18.000 imagens registrando  71 dos 92 municípios, fotografias e informações, que nos oferece em seus guias, o Guia Amoroso do Rio e o Guia do Estado do Rio, publicados pela Interior Produções, manuais indispensáveis para quem quer conhecer o Rio de Janeiro em seus detalhes, recantos e experiências culturais. Na área do registro do patrimônio imaterial pesquisa a cultura popular tendo um acervo de mais de 7.000 imagens sobre mais de 60 grupos de Folias de Reis e Festas do Divino. Com essa mesma paixão sobre o Rio de Janeiro, realizou 7 filmes com os quais ganhou 3 festivais internacionais e 18 prêmios em festivais nacionais. Participou de eventos e palestras no exterior, exibindo o filme Rio de Memórias no Natural History Museum de Londres, na Maison de l’Amérique Latine em Paris, em Portugal, na Argentina e nos EUA. Nesta área, é coordenador há 15 anos da Mostra do Filme Etnográfico, festival internacional que anualmente se realiza no Rio desde 1993. Tem documentado as fazendas do Vale do Paraíba sobre as quais realizou uma exposição em Portugal e com suas fotografias colaborou em diversos livros. Esta organizando, com aquisições e doações, uma coleção particular de cerca de 4.000 fotografias antigas de famílias brasileiras, datadas de 1850 a 1950, com as quais realizou uma exposição em Brasília.
Criou com Patrícia Monte-Mór em 1987, a Interior Produções, produtora cultural e editora, com diversos segmentos na área da cultura do Rio, através da qual realizou, entre outros eventos, uma grande exposição sobre fotografia do Rio de Janeiro, no CCBB, Rio de Janeiro, retratos da cidade, depois transformada em um livro, já esgotado, reunindo os principais nomes da fotografia da cidade, incluindo acervos raros de instituições e de particulares.
José Inacio Parente, é casado e pai de 3 filhos, psicanalista e atende clientes em seu consultório desde 1975.
Por todo esse trabalho mereceu o título de Cidadão Carioca, oferecido pela Câmara dos Vereadores, em 2005

sábado, 17 de março de 2012

Bartô, o artesão da palavra

Bartolomeu


"O que há de invulgar no texto de BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS é uma leveza, uma transparência que não se traduz em superficialidade. Antes, constitui abertura para regiões profundas da comunicação poética. Por isso, sua expressão consegue ser, ao mesmo tempo, simples e densa. Ler o seu texto é envolver-se de imediato com a magia das palavras, é seduzir-se com a beleza e a musicalidade da prosa."
Fábio Lucas


E  é verdade. O texto de Bartô é de uma densidade absoluta. Fala da alma da gente, fala dos nossos sentimentos. Cada frase é uma pérola, parece ter sido cuidadosamente escolhida, suavemente composta, limpa até ficar sem uma coisinha a mais, um pozinho.
Quem só gosta das coisas objetivas, quem só quer as histórias, as estórias de antigamente, não deve gostar da prosa de Bartô. Mas quem for capaz de parar, de ouvir as palavras que lê, de ir por trás delas, de descobrir outros sentidos para ela, com certeza vai se maravilhar com Amargo Vermelho. Mas dói.
Ô livro triste! – essa é a opinião de quase todo o Clube. É lindo e é triste. Dói, como a vida, aliás, nos seus momentos de perda.

Mas vamos lá.

No nosso encontro passado, começamos numa brincadeira de sortear palavras e trocar memórias. E retrocar memórias... Nossa história.
A seguir lemos o texto sobre Memória, História e Histórias de vida.
A memória individual, patrimônio de cada um, e a memória coletiva – pertencente a um grupo com traços comuns. A memória que é lembrança, relato, e a memória que é ficção – até que ponto elas se confundem?
E continuamos a noite com a leitura (mágica) de Amargo Vermelho e nossas impressões.

Para segunda:

- Por favor, levem o livro. Vamos ler juntos ainda um trecho. Mas todos podem ler o livro até o final. É uma leitura rápida.
- Levem um caderno meia-pauta. Há os de capa dura e os de capa mole. Se encontrarem o de capa dura, melhor. Se não, comprem aquele fininho mesmo. Que tal encaparem o caderno com algo que lembre a infância de vocês? O contact de florzinha amarelinha? O xadrezinho? Quantos cadernos você já encapou para seus filhos, encape um para você... Quer por uma foto sua? – não tenha vergonha, ponha. Fazer algo bem chique, retrô? Faça. Prepare um caderninho, entre nas suas memórias. Na sua história. Dedique um pouquinho de tempo pra isso.
- Neste caderno, cole uma foto sua quando criança. Você pode escrever o que quiser. Para facilitar, duas sugestões: Escolhi essa foto porque... Ou, numa linha mais ficcional, Quem é essa menina? E não se preocupe com a verdade, nós leitores não sabemos da verdade do escritor, além do que, temos as nossas verdades....
- Depois da sua foto, cole uma foto de seu pai e uma de sua mãe – ou da infância deles (você pode escrever seguindo o modelo da sua) ou deles com você.
- Se tiver vontade seguir nesse caderno, não nos espere! Siga, colando fotos, fazendo desenhos, e registrando.


A vida é sua. A ficção é nossa.

Bjs e até segunda-feira, quando continuaremos a leitura e exercitaremos a escrita, num momento que tenho certeza vai ser muito bom.

E na outra semana, a presença de nosso convidado, para fechar o primeiro ciclo desse clube de leitura. 


Se tiver um tempinho, veja: http://www.catedra.puc-rio.br/portal/comunicacao/aconteceu_na_catedra/homenagem_a_bartolomeu_campos_de_queiros/

sexta-feira, 9 de março de 2012

Bartô 1


Mas por que começar um clube de leitura com um livro intimista, denso, triste, de um autor pouco conhecido fora do mundo literário e acadêmico?

Mas por que não?

Pois foi com um livro do escritor carinhosamente apelidado Bartô, que começamos nosso terceiro Clube de Leitura, na última terça-feira. O livro é Amargo Vermelho (ou seria Vermelho Amargo?), não por acaso (creio eu), o último livro de Bartolomeu Campos de Queirós, que morreu este ano.

O livro aponta para uma discussão que é a pauta do momento e que envolve as palavras ficção, biografia, autobiografia e autoficção. Existe diferença? Uma biografia promete contar a verdade e nada mais do que a verdade? Nesse sentido, ela é "real", não é ficção? É por isso que as livrarias separam os livros de ficção do não ficção (e aí as bios se incluem)?

Mas e quando a biografia é contada pelo próprio personagem de que fala, numa identificação total entre autor e personagem? Ela continua também sendo real? Ou a memória é invenção, como alerta Bartolomeu, e nesse sentido uma autobiografia também é ficção?

E há biografias e biografias? Ou seja, há livros que são biografias jornalísticas e outros que são biografias ficcionais?

Nesse caso, eles podem fazer parte do gênero autoficcção - uma forma de misturar dados reais com outros não tão reais assim, narrados por uma voz preocupada com a linguagem e com literariedade?

Coloco essas perguntas todas, pois é assim que o momento se faz: essas palavras estão aí, em livros, oficinas, artigos, sendo diferenciadas por uns, e assemelhadas por outros. Há quem ache que tudo é uma grande bobagem (veja o artigo de Giron, A onda e a praga da autoficção, em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI82259-15230,00-A+ONDA+E+A+PRAGA+DA+AUTOFICCAO.html; há quem ache que é uma discussão pertinente, que envolve a questão do eu na modernidade, o sujeito em cena - veja o texto O sujeito em cena de Karl Erich, hoje Diretor do Departamento de Letras da PUC, entregue no clube. Diz ele:.

Autoficção é uma ficção? Sim e não, é uma ficçãoque se apropria da experiência de vida, uma escrita que utiliza a ficção para penetrar no que aconteceu numa história que se constrói enquanto relato motivado pelo desafio de vida que essa experiência impõe.

Negócios e discussões à parte, partimos para o livro de Bartô. Ah, antes Stella nos apresentou a enorme coleção do autor de que ela dispõe. Livros para todos os gostos e todas as idades! Usufruam!

E aí, quase aos sussurros, aproveitando as palavras, esticando as palavras, sentindo o tomate ser cortado, fatia a fatia,  fomos lendo esse livro que é uma pérola, um gemido, uma dor. Uma delicadeza. Uma inspiração.

Vamos continuar na próxima SEGUNDA, às 20h. Você vem?

Traga o livro. Traga uma foto sua quando criança.