segunda-feira, 5 de setembro de 2011

UBALDO


Picasso: arte erótica

Quinta passada, mesmo com cinco ausentes, podemos dizer que a reunião foi bem animada. Começamos discutindo se A casa dos budas ditosos era um livro erótico ou pornográfico. Para definir os termos, tomamos como referência o prefácio de Luisa Coelho, organizadora do livro "Intimidades - dez contos eróticos de escritoras brasileiras e portuguesas", Editora Record. Para Luísa, "o erótico é do domínio da sedução - do imaginário-, e o pornográfico, do domínio da excitação - dos instintos." Para ela, o pornográfico esvazia o mistério da sexualidade de todo o seu conteúdo, tornando o ato sexual transparente, "revelando aquilo que na sexualidade do dia-a-dia é invisível, numa estética hiper-realista, onde as cenas descritas são mais reais do que o próprio real". Já o discurso erótico "encara a representração da sexualidade como não sendo apenas confinada ao sexo, mas envolvendo uma história, consciente e inconsciente, onde se inscrevem as relações que se estabelecem entre o desejo e o interdito, o encontro e o desencontro, o prazer e a dor, o sonho e a realidade, o amor e a morte".
E você, a partir desses dois conceitos - que, sinceramente, me parecem por demais estanques - o que pensa?
Em seguida a essa discussão, pegamos a crítica que nosso Diogo Mainardi, o bonitão das polêmicas, faz sobre o livro. O que você acha? Concorda ou discorda?
Segue a crítica. Esta semana, a discussão continua. Até lá!

João Ubaldo Ribeiro escreve sobre a
luxúria – e falha miseravelmente


Diogo Mainardi

É fácil quebrar a cara escrevendo sobre sexo. Um daqueles temas que qualquer escritor com um mínimo de bom senso prefere evitar. João Ubaldo Ribeiro, portanto, foi corajoso. Ou insensato. Porque o seu último romance, A Casa dos Budas Ditosos (Objetiva; 163 páginas; 19 reais), é ostensivamente pornográfico. A seu favor, ele pode contar apenas com um precário álibi: o romance foi escrito sob encomenda, parte de uma lucrativa jogada da editora carioca, que lhe pediu algo a respeito de um dos pecados capitais. O pecado que ele escolheu foi a luxúria.

A primeira dificuldade de escrever sobre sexo é a linguagem. Como descrever um ato sexual sem ser vulgar ou excessivamente técnico? Em A Casa dos Budas Ditosos, uma velha libertina narra a história de sua vida, inteiramente dedicada ao sexo. Não o faz por escrito, mas de forma oral, diante de um gravador, pois, como ela própria admite, "é impossível escrever sobre sexo, pelo menos em português, sem parecer recém-saído de uma sinuca no baixo meretrício". Ou seja, em vez de tentar resolver o problema lingüístico, João Ubaldo Ribeiro achou melhor escamoteá-lo, sufocando o palavreado chulo com coloquialismos.

A segunda dificuldade de escrever sobre sexo é o moralismo. João Ubaldo Ribeiro conseguiu escapar dessa armadilha. Ao longo do romance, sua narradora pratica todas as modalidades de sexo sem ser punida pelo destino e sem manifestar o menor arrependimento, experimentando alegremente incesto, pedofilia, zoofilia, sexo grupal, troca de casais, homossexualismo, sexo informático. Quando a luxúria é despida do caráter pecaminoso, no entanto, corre-se o risco de tornar idênticas todas as aventuras sexuais, com pequenas variantes físicas de um parceiro para o outro. É o que acontece nesse caso: as relações da narradora com o irmão, com o marido, com uma aeromoça ou com um gigolô obedecem a um mesmo esquema, repetido ao infinito.

Monotonia – A terceira dificuldade de escrever sobre sexo é relacionada à segunda: monotonia. Como em qualquer filme pornográfico, a trama, em A Casa dos Budas Ditosos, constitui um empecilho, um molesto intervalo entre um encontro erótico e outro. Para evitar uma leitura moralista do romance, João Ubaldo Ribeiro impede que sua protagonista sinta remorso. Para evitar psicologismos baratos, ele impede que ela se envolva excessivamente em seus casos de amor. Para evitar qualquer tipo de justificativa externa para o seu comportamento, ele impede que ela tenha problemas financeiros, ou de saúde, ou políticos, ou seja lá do que for. O problema é que, eliminando tudo isso, o romance fica aborrecido, monótono.

A quarta dificuldade de escrever sobre sexo é dar-lhe um significado. É difícil imaginar, por exemplo, que alguém, hoje em dia, ainda possa chocar-se com o sexo explícito. Que o sexo rompa tabus. Que o sexo desmascare a hipocrisia.

Literariamente, sexo é uma sinuca de bico: erra-se quase sempre. João Ubaldo Ribeiro sabia que podia quebrar a cara enfiando-se nesse projeto. Como a libertina de A Casa dos Budas Ditosos, porém, ele perdeu a vergonha e foi em frente, à procura de uma recompensa mais material, presumivelmente. Aliás, esse é o único tema que ele ignora em seu romance: a exploração comercial do sexo.

A quinta dificuldade de escrever sobre sexo é que nem todo mundo é Philip Roth, autor do último grande romance pornográfico que eu li, O Teatro de Sabbath. Aconselho-o a todos os leitores, menos a João Ubaldo Ribeiro: pode causar-lhe um certo desalento.

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