segunda-feira, 2 de maio de 2011

Queridos

Semana passada, entre a chuva que ameaçava nos deixar a noite toda discutindo Clarice e os vinhos do Henrique, discutimos algumas questões sobre o livro, sugeridas no texto que mando abaixo para vcs verem.
Para esta semana, proponho que a gente largue um pouco "as árvores" e parta para a "floresta", tentando não entender, mas sentir - aliás, como propõe nossa doce e não tão doce assim Clarice.
Pra isso, é importante que cada um termine sua leitura, acho que quanto mais se tiver com o livro na alma, mais rica fica a troca. Assim, tentem ler... é só abrir o coração e deixar o texto entrar.
Também combinamos que cada um poderia trazer algo a partir da leitura de Clarice pra dividir com a turma: uma frase de CL? Uma música - "que mistérios tem Clarice", já dizia Caetano... Uma foto, um video? Um outro texto da autora? Algo que sabe, uma pequena aula a dividir? Enfim, quem se inspirou, divida, compartilhe!
E para terminar (terminar o que não se termina, a leitura de CL é como o próprio romance, começa com vírgula e acaba com dois pontos), a Eliana - Eliana Yunes, professora de literatura da PUC-Rio, coordenadora da Cátedra onde eu trabalho, expert em CL, vai falar um pouco sobre a autora, sua obra, e a visão que ela tem de Uma aprendizagem.
Assim, entre vinhos e queijos (eu vou levar, alguém mais se oferece?), vamos terminar nossa Leitura em 3 Atos de Clarice Lispector. Acho que vai ser muito bom. Aliás, já está sendo muito bom!
Adiem todos os outros compromissos, coloquem na agenda, organizem-se para estarmos juntos.
Vamos deixar a listinha de compromissos de lado e entrar numa outra... espero vocês!
Beijos e até quinta, 19.30; segue a proposta que preparei para o encontro passado...

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector

Algumas questões:

“Lóri tem dificuldade, não sabe “enfeitar uma fruteira”, não compreende totalmente um telefonema recebido, não tem “bom-gosto para se vestir”, desconhece o que Ulisses quer que ela saiba. Essa caracterização construída pela negatividade é acentuada pela contraposição com Ulisses, definido positivamente por sua sabedoria e configurando-se, aos próprios olhos de Lóri, como superior a ela e por isso digno de julgar seus comportamentos, prever possibilidades futuras e “ensinar-lhe a viver”.
Vemos, portanto, uma personagem que se mostra em sua precariedade, enquanto sujeito marcado pelos vazios, pela angústia e pela submissão a outro que lhe é maior e que lhe define os parâmetros de sua existência, de sua aprendizagem.
In Mafuá, Revista de Literatura em Meio Digital, Clara Altenfelder Santos

1.       O romance é machista? Poderia ser uma aprendizagem às avessas, a mulher ensinando o homem a ser? Ulisses tb aprende com Lóri? Uma escritora vanguardista, um texto machista? O mundo foi, é e será machista?

Lori= nada?
“Mas é que..., tentou Lori defender-se, é que eu me sinto tão... tão nada...” (82)
“-Qual é o meu valor social, Ulisses? O atual, quero dizer. - O de uma mulher desintegrada na sociedade brasileira de hoje, na burguesia da classe média. - A meu ver, você não pertence a nenhuma classe, Ulisses. Se você soubesse como é excitante eu te imitar. Aprendo contigo mas você pensa que eu aprendi com tuas lições, pois não foi, aprendi o que você nem sonhava em me ensinar. “
“... você me transformou na mulher que sou. Você me seduziu, sorriu ela. (152)

Lori= máscara?
“Então, sem entender o que fazia – só o entendeu depois – pintou demais os olhos e demais a boca até que seu rosto branco de pó parecia uma máscara: ela estava pondo sobre si mesma alguém outro:esse alguém era fantasticamente desinibido, era vaidosos, tinha orgulho de si mesmo. Esse alguém era exatamente o que ela não era.” (83)  (...) E viu a persona afivelada no seu rosto. Parecia um macaco enfeitado. (86)

Lori-gauche?
 “Eu vos amo, pessoas”, era frase impossível (23)
“Era uma noite diferente, porque enquanto Lori pensava e duvidava, os outros dormiam.” (75) Pensou em pessoas conhecidas: estavam dormindo ou se divertindo. Algumas estavam bebendo uísque. Seu café então se transformou em mais adocicado ainda, em mais impossível ainda. E a escuridão dos solitários se tornou ainda maior.”
“Ao contrário de Eva, ao morder a maça entrava no paraíso.” (131)

Lori menos que Ulisses?
“... perfurmar-se era de uma sabedoria instintiva, vinda de milênios de mulheres aparentemente passivas aprendendo, e, como toda arte, exigia que ela tivesse um mínimo de conhecimento de si própria...” (17)
“Eu sempre tive que lutar contra a minha tendência a ser a serva de um homem, disse Lori, tanto eu admirava o homem em contraste com a mulher. No homem eu sinto a coragem de se estar vivo. Enquanto eu, mulher, sou um pouco mais requintada e por isso mesmo mais fraca – você é primitivo e direto (151)
 “Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lori. (47)
 “Com o desespero de fêmea desprezada, ouviu o carro dele se afastar. (34)
Ulisses fala da mediocridade> “Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas... Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.” (49)

 “Parecia estar lutando corpo a corpo com aquele homem, assim como lutava consigo mesma, e que era simbólico ele suar e ela não. (95)

“- Não sei, meu amor, mas sei que meu caminho chegou ao fim: quer dizer que cheguei à porta de um começo.
- Mulher minha, disse ele.
- Sim, disse Lóri, sou mulher tua.” 155

“Lóri pôde enfim falar com ele de igual para igual. Porque enfim ele se dava conta de que não sabia de nada e o peso prendia a sua voz. Mas ele queria a vida nova perigosa. 151
“... Eu, que sou mais forte que você, não posso me perguntar quem sou eu sem ficar perdido.
E a sua voz soara como a de um perdido. / 154

“Eu penso, interrompeu o homem e sua voz estava lenta e abafada porque ele estava sofrendo de vida e de amor, eu penso o seguinte:” / 155

2.     LER PAG 74 À 79
“Ele esperaria por ela, agora o sabia. Até que ela aprendesse.” (27)
Aprender o quê, para quê, para quem? Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - ou das dores? Aprende-se a amar – é possível? O homem é capaz de mudar?

“Mas era como se ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas...” (16)
“A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano”. ( 32)
“Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo” (57)
“E Lori continuou na sua busca do mundo”. / 122
“ Mas sua busca não era fácil. Sua dificuldade era ser o que ela era, o que de repente se transformava numa dificuldade intransponível” / 125
“Lóri, Lóri, ouça: pode-se aprender tudo, inclusive a amar! E o mais estranho, Lóri, pode-se aprender a ter alegria! (51)

 “Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. (...) Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada.”

“Você está querendo queimar as etapas, pular por cima dos estágios necessários e ir vorazmente ao que quer que seja” ( 99)


3.       Segundo Heidegger, a angústia é o sentimento que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade, que abre espaço para que ele possa renascer em meio à monotonia e à vida coletiva. Os momentos de desarticulação são, dessa forma, necessários à aprendizagem, uma vez que possibilitam a entrada de novas percepções. Para Nietzsche, o estado de doença constitui uma oportunidade para se pensar em coisas que na saúde não são investigadas e, por isso, “o estar enfermo pode até ser um enérgico estimulante ao viver, ao mais-viver”

Todo amor, toda felicidade, exige sofrimento? Ou isso é o espírito da religião?

O processo percorre as estações – como o texto. Será possível pensar hoje numa relação como um processo?

É, assim, descontinuamente que Lóri avança na “descoberta do que se chama viver” (Lispector, UALP, p. 34). Com dificuldade, o processo vai se construindo entre idas e vindas, lapsos, rupturas, alterações de velocidade, medos de avançar “depressa demais” (Idem, p. 87) ou de regredir e “perder os passos que avançara” (Idem, p. 81).

Pode-se aprender a amar? Ou num mundo tão rápido, é insustentável o processo?

4.       O amor e a paixão: sempre desarticuladores? Por que temos tanto desejo e medo de amar? Ou não temos?

“e segurava-se numa das mãos de Ulisses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo” (32)

“Mas Ulisses, entrando cada vez mais plenamente em sua vida, ela, ao se sentir protegida por ele, passara a ter receio de perder a proteção” ( 19)

“No entanto era o seu pavor de uma possível intimidade de alma com Ulisses o que a deixava irritada com ele. Estaria na verdade lutando contra a sua própria vontade intensa de aproximavar´se do impossível de um outro ser humano?”  ( 41) 

“Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e levá-la Deus sabe onde”. (41)

“A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta”. (73)

5.       O conhecimento e a intuição / emoção x razão – o que vale mais?  / o silêncio

“Entender era sempre limitador. Mas não-entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. (...) O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma benção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura da estupidez”  (44)

“Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender” ( 44)

... “é só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos é que começamos a saber” (52)

“Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.”  53

“... é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la... 56

6.       A escrita: a construção do texto – processo?

“Tem pessoas que cosem para fora Eu coso para dentro”

O processo
Escritura metafórica-metafísica: a linguagem complexa é uma mera representação da complexidade das relações humanas
Busca da identidade e dos lados misteriosos do ser
Um romance para ser não-compreendido, para ser sentido.
Narrador onisciente> as falas do narrador confundem-se com as das personagens
Expõe o trabalho de montagem do texto
A escolha dos nomes
As estações
Os bichos
Cena da piscina
Cena do mar
Fim do livro

Diz ainda Lóri: “sei que meu caminho chegou ao fim: quer dizer que cheguei à porta de um começo” (Idem, p. 155). Quando o fim se configura enquanto começo, estamos perante uma realidade em que nada termina, mas em que tudo está em constante movimento.



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