terça-feira, 19 de abril de 2011

A arte imita a vida ou a vida imita a arte?

Este é um trecho da carta que Maury, marido de Clarice, envia a ela, tentando uma reconciliação. Clarice largou o marido diplomata nos EUA e voltou ao Brasil com os filhos. Na carta, Maury recorre ao livro Perto do Coração Selvagem de Clarice, aumentando nossa confusão: será que a ficção é real? Até que ponto Clarice é Lori e Lori é Clarice? Se o marido faz a confusão, imagine nós, leitores... Para pensar...

"Vou escrever-lhe pedindo perdão. Perdão com humildade mas sem humilhação. Falo-lhe com a autoridade de quem sofre, de quem está profundamente só, muito infeliz, sentindo na alma e na carne a sua falta e a dos meninos. Muitas das coisas que você vai ler provocar-lhe-ão raiva e escárnio. Sei disso, mas nada posso fazer. (...) Talvez eu devesse me dirigir a Joana e não a Clarice. Perdão, Joana, de não lhe ter dado o apoio e a compreensão que você tinha direito de esperar de mim. Você me disse que não era feita para o casamento, antes de casar. Em vez de tomar isso como uma bofetada, eu deveria interpretar como pedido de apoio. Faltei-lhe nisso e em muitas outras coisas. Mas intuitivamente jamais deixei de acreditar que coexistissem em você, Clarice, Joana e Lídia. Rejeitei Joana porque o seu mundo me inquietava, ao invés de dar-lhe a mão. Aceitei, demais, o papel de Otávio e acabei me convencendo de que "éramos incapazes de nos libertar pelo amor". Fui incapaz de desfazer a apreensão de Joana de "se ligar a um homem sem lhe permitir que a aprisione". (...) Perdoe-me meu benzinho de não ter sabido e,bpra semtosse difusamente a unidade de ambas, de não ter sabido, em 16 anos de casamento, realizar a reconciliação de ambas. Não ter sabido convencer Joana de que ela e Lídia eram, e são, a mesma pessoa em Clarice. Joana não precisava invejar Lídia nem você precisava invejar as famosas "mulheres doces" que se interpuseram entre nós, nesses 16 anos, e de quem você sentia ciúme, incofessado e reprimido, que explodia em raiva. (...) Não posso conformar-me, porém, com o fato de você estar palmilhando, de certa forma, na vida real, o destino de Joana. (...) Com toda sinceridade, o propósito desta carta é dizer-lhe que, sofrendo eu ou não, ou voltando você pra mim ou não, minha parcela nesse acontecimento é muito, muito grande. Pelo amor de Deus, não interprete esta como acusação. Sei que minha imaturidade, minha distração, minha falta de apoio, foram um dos polos da equação. Eu não estava preparado, por cinscunstâncias da minha infância, para dar-lhe mão forte, para ajudá-la a resolver o conflito que você tão eloquentemente refletiu no primeiro livro"


in Clarice, Benjamin Moser.

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